JOSÉ LUTZENBERGER
Fernando Corona


Há nomes que a história não poderá esquecer. Entre aqueles homens que muito deram de seu talento semeando cultura artística entre nós, podemos citar com saudades José Lutzenberger. Ele era alto, corpulento, parco e austero, no falar e de uma modéstia a flor da pele.

Usava cavanhaque à D’Artagnan lembrando espadachim renascentista. Pagava para não discutir e sua bondade franciscana prenunciava sua introspecção. Era muito culto, e quando dava uma opinião, era para valer. Se esta não fosse bem acolhida, não se incomodava, e o mutismo de sua atitude, confirmava sua esmerada educação. Era cristão sem fanatismo e católico por devoção. Aqui chegaram em 1920 buscando paz e trabalho. Em seguida integrou a firma de engenharia Weis & Cia., onde o conheci. Certa simpatia mútua nos traiu entrelaçando amizade que durou para sempre. José Lutzenberger nasceu em Altoetting, na Baviera, em 1882. Estudou Real Universidade Técnica de Munich. Seu diploma de Engenheiro-Arquiteto data de 8 de agosto de 1906. Na primeira grande guerra deste século, com 32 anos, foi convocado como técnico para o posto de Oficial de Estado Maior do Exército alemão, onde calculou as bases de concreto dos famosos caminhões Berta. Não foi combatente e muitas vezes me disse ter sido muito triste para ele se o tivessem o obrigado a disparar um tiro contra um inimigo que não era dele. Muito o impressionou a vida dos soldados na frente do campo de combate, e os desenhou em felizes, ou como queiram tristes flagrantes momentos de luta ou repouso. Terminada a guerra, o Museu de Belas Artes de Munich, adquiriu do artista uma coleção de desenhos e aquarelas com motivos a batalhado Marne. Eram episódios que o artista, com seu espírito sensitivo, fez para jamais esquecer os horrores da guerra.

José Lutzenberger, além de engenheiro, era arquiteto criador de formas originais altamente decorativas, desenhista primoroso e delicado aquarelista. Assinava os trabalhos modestamente, apenas com “jota” e um “ele” entrelaçados, letras iniciais do seu nome. Seu maior prazer era interpretar usos e costumes dos nossos pagos, que tanto ele amou. A vida gauchesca o empolgava pelo seu ineditismo para ele até então desconhecido. Estudou e observou a vida campeira do nosso Estado, desenhando a bico de pena com requintado sabor decorativo, dezenas de flagrantes cotidianos de gaúcho, colonos e caixeiros viajantes. Três coleções foram impressas em lindos cadernos que devem estar esgotados. No caderno “O Gaúcho”, estão: “O Laçador” “O Churrasco” “O Carreteiro” ”O Trovador” “A Diligência” “O Rodeio” “O Tropeiro” “O Boleador” “O Estouro da Boiada”, etc. No caderno “O Colono” vemos: “A Escola” “O Padre” “Depois da Missa” “A vista do Padre”, “Dentro da Venda” “A Picada” “O Kerb”, etc. No caderno “O Caixeiro Viajante” vivem: “A Partida” “No caminho” “Vencendo Obstáculos” “Na Vila” “Na venda” “A Aventura” “Amigos da Roça” etc. São expressivos desenhos que o artista deixou para a posterioridade. Executou delicadas aquarelas de paisagens animadas com figuras de gaúchos de Lutzenberger marcha pelas coxílias altaneiro e feliz. O artista com refinado gosto, primava pelo delicado detalhe que deixava no papel a ponta aguda de seu pincel, como mestre que era na aquarela.

Como arquiteto José Lutzenberger era também original. Muito decorativo na forma, jogava como claro com sabedoria. Aí está a belíssima Igreja de São José decorada externamente pelo grande escultor Alfred Adloff. Internamente. Lutzenberger cuidou dos mínimos detalhes. Inclusive da pintura dos murais. Ele fez pequenos modelos a tempera para que seus discípulos os ampliassem e pintassem nas paredes do templo. O tot com vigamento de madeira, é sem dúvida alguma o mais belo exemplar da carpintaria artística que temos na cidade. A idéia de Cristo no espaço, não poderia ser mais feliz.

Em 1924, a firma Weis & Cia. construía na Rua Andradas o Clube Caixeiral. Era projeto de José Lutzenberger. Certa vez ele me dissera gostar da maneira como eu tratava a escultura decorativa. Já me havia provado. Agora desejava de mim a interpretação de seus desenhos na fachada do Clube Caixeiral. O frontispício era arrojado com uma empena elevada para proteger o telhado do grande Salão de Festas. Era indispensável esculpir tudo no lugar, diretamente na parede. O material seria composto de cal, areia e cimento. Lá fui eu trabalhar na intempérie. Havia que fazer uma seqüência de volutas enormes como arremate dos contornos. Um buquê de flores saindo da cornucópia coroaria a cúspide. Um cordão decorado sustentaria o grande escudo heráldico do Clube, onde duas figuras de moços elegantes, com três metros de altura, de braços estendidos, pudessem dar-se as mãos sob o escudo como símbolo de fraternidade. Passei mais de um mês em cima dos andaimes esculpindo as esculturas de frontispício da fachada do Clube Caixeral. Recebi os salubres raios de sol, fui útil e fiquei feliz, Lutzenberger achou meus trabalhos como ele gostava que fossem. A nossa amizade cresceu e eu a cada vez o admirava mais. Mais tarde entraríamos juntos como professores contratados pela Universidade para o antigo Instituto de Belas Artes. Ele como regente das Cadeiras de Geometria Descritiva e Perspectiva e Sombras. Eu para as de Escultura e Modelagem. Nosso contato era quase sempre diário.

São da autoria do arquiteto Lutzenberger o Palácio do Comércio, a Igreja de São José, já citada, o Orfanato do Pão dos Pobres, o Edifício Bastian da Capital e do Interior do Estado.

De seu consórcio com a Exma, Sra. Dona Emma Elza Kroeff Lutzenberger nasceram três filhos: José Antônio, Maria Madalena e Rose Maria. Quem não conhece a Rose e Madalena, estas primorosas artistas que volta e meia impressionam o espectador com suas originais concepções? Elas levam no sangue a inspiração permanente herdada de seu querido e saudoso pai. Rose Lutzenberger ocupa hoje a cadeira de Arte Decorativa que o grande pintor muralista Aldo Locatelli deixou ao falecer. Outro artista que merece uma pesquisa de seus trabalhos para que as novas gerações saibam que aqui semearam cultura artística. Nunca tantos deverão ficar ignorantes do trabalho de tão poucos, pois a história, a nossa história na seara das artes, ainda está para ser contada, desde Araújo Porto Alegre e Pedro Weingartner até os últimos talentos que disputam nas artes plásticas e na arquitetura.

José Lutzenberger, o homem bom, o artista excelente e o professor querido faleceu em 2 de agosto de 1951, e até hoje em todos nós, as saudades crescem em cada momento que passa. Nada custa lembrar nomes que a história não poderá esquecer.




Fernando Corona, 1969